terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Música no coração

No meu post de 16 de Dezembro disse que, ficaria para outras núpcias a história de, como eu, em vez de vêr o filme, li os livros.
Pois bem. No fundo, só tem interesse para mim e para a GI mas, vou partilhar porque são coisas que a gente nunca esquece.
Como já devem ter percebido, eu fui criada por uns tios. Nasci em Benguela no dia 2 de Julho de 1961 e, poucas horas depois a minha mãe faleceu.
Uma irmã do meu pai, estava em Luanda e, ao fim de 9 meses de eu andar de Anás para Caifás, lá fiquei com os tios.
Aos sete anos de idade, pela primeira vez, fui passar uns dias das férias grandes com o meu pai. E assim passou a ser.
Em 1974, o meu pai estava em Malange e lá fui eu passar férias com ele. Devo dizer que, desta vez, não sei porquê, custou-me muito deixar os meus tios. O destino veio dar-me razão. Já não vi mais o meu tio que, para mim, foi mais que um pai. Gostava muito do meu pai, mas ADORAVA o meu tio.
Como disse no início, eu, no máximo, passava um mês das férias grandes com o meu pai. Desta vez, sem eu perceber muito bem porquê, o meu pai nunca mais me levava para Luanda. Comecei aos poucos a entender, pelas conversas que eu ouvia entre ele e a minha madrasta, que o meu tio estava doente. Que tinha vindo para Lisboa fazer exames, que o meu pai não me queria levar para Luanda porque "se acontece alguma coisa ao meu cunhado, como é que a minha irmã vai fazer...", já falavam em eu ficar para sempre com ele e tudo, em matricular-me numa escola ali...APANHEI O MAIOR SUSTO DA MINHA VIDA!!!...
Nestes entretantos, eu e a GI, escreviamos uma à outra a contar o nosso dia a dia. Foi nessa altura que, a Música no Coração passou em Luanda e a GI foi vêr. Então, escreveu-me a contar o filme todo, tim tim por tim tim. De tal forma que eu fiquei apaixonada pelo filme, pela Julie Andrews, pelo Cristopher Plummer, pela chavalada toda.
Se eu já estava a querer ir embora, mais depressa queria ir. Sabia que o meu tio estava em Luanda e a tia em Lisboa. Escrevi ao tio a dizer que me queria ir embora e que o meu pai não me queria levar.
Aí, o tio escreveu ao pai "dando as ordens" que entendeu e escreveu-me dizendo que, estava doente, (ainda tenho essa carta guardada), vinha para Lisboa fazer exames médicos, mas já tinha escrito ao meu pai para me levar, e tudo estava preparado em Luanda para mim e no Colégio para quando as aulas começassem.
Poucos dias depois, o meu pai levou-me para minha casa.
E pronto, lá passei o resto das férias com a GI a falarmos da música no coração. Nesse ano lectivo, pela primeira vez eu iria ter inglês. Portanto, eu não sabia falar inglês. No entanto, aprendi as músicas todas do filme, ainda hoje as sei de cor e salteado. O pai da GI tinha escrito as letras todas e a GI ensinou-me as letras e as músicas. Tenho um caderno de linhas, muito bonitinho, forrado com papel escocês, onde tenho todas as letras e no final de cada uma, os significados. Havia um mínimo, né? Senão eu não percebia o que estava a dizer. Lembro-me que para fixar a palavra "homeland", dizia "omolete"...O que nós ríamos...Já só com 14 anos, no cinema de Cascais, que já não existe, é que eu vi o filme. Fui com a GI e o irmão dela. Eu sabia o filme todo, eu sabia o que ía acontecer a seguir, eu sabia as músicas, parecia eu que tinha visto o filme...
Já que falei no meu querido tio, e que disse que nunca mais o vi, pois foi...depois dos exames em Lisboa, foi-lhe diagnosticado um câncro num dos pulmões. Foi para Londres onde foi operado, retiraram-lhe o pulmão, mas não resistiu...faleceu no dia 12 de Outubro de 1974. Quando eu me despedi dele em Luanda, para ir com o meu pai, ele perguntou-me: "- Céu, queres ir com o teu pai?" e eu, não sei porquê, não queria, mas não queria arranjar problemas, com lágrimas nos olhos, virei a cara para o lado e disse: "- A mim tanto me faz, tio." Ele deu-me dinheiro para as minhas férias, deu-me um beijinho, abraçou-me...depois foi a carta...e depois uma saudade que não há nada que mate...

3 comentários:

Anónimo disse...

Teddy Lover,

Fiquei com vidrinhos nos olhos a ler este teu texto.

Há pessoas e acontecimentos que ficam guardados no nossos corações para sempre.

Devemos recordá-los com muito carinho, pois certamente merecem-no.

Tretices comovidas para ti.

TeddyLover disse...

Tretoso, MERECEM MESMO. Ao mesmo tempo, ainda bem que foi assim, já que tinha que ser. Fiquei com a imagem do meu tio como ele era. Vi fotos dele, quando esteve em Lisboa e, essa imagem não foi a que ficou na minha memória. Ele já foi em caixão de chumbo p/ Luanda. Portanto, não foi aberto. Sabes, antes da notícia definitiva, houve uma notícia falsa. O meu tio tinha tido uma morte aparente. Em Luanda fez-se silêncio pelo tio em muitos eventos, num jogo de hóquei, por exemplo.Ele era Presidente do Futebol Clube de Luanda...depois, veio a notícia que afinal, o Morais estava vivo...acredita que, ainda hoje, parece que dúvido...sonho com ele muitas noites, coisa que não acontece em relação ao meu pai. E, quando sonho, o meu tio está escondido, só eu sei onde ele está e ele pede-me para eu não dizer a ninguém...está sempre vivo...tenho tantas saudades dele...mas tantas...mas tantas...mas tantas...DÓI...quem está com vidrinhos agora, sou eu...
Beijo e, mais uma vez, TENHAS UM NOVO ANO TRANQUILO

Pena disse...

Olhe, Amiguinha:
Simplesmente, delicioso.
Sabe, que me fez sensibilizar...pela beleza...imensa...
LINDOOOOOOOOOOOO!
Enternecedor.

Beijinhos e OBRIGADO pela sua amizade.
Bem-Haja!

pena

NOTÁVEL! PERFEITO!
Sempre acreditei que havia uma sensibilidade especial em si, talvez, desta poesia linda que escreveu sempre em si e representa uma doce e fabulosa história de vida fascinante e terna...
Uma "ternurinha"...
Lindaaaaaaaaaaaaa!