TEXTO DE CLARA PINTO CORREIA
No outro dia liga-me (via kolmi,evidentemente) o meu filho mais velho, com dezasseis
anos, que foi de fim de semana alargado com uns amigos para Madrid. A conversa não fazia grande sentido para mim, mas para ele de certeza que fazia, dada a enorme decalage que existe hoje entre o português e a gramática usados pelos pais e o português e a gramática usados pelos filhos.
- Mãe, o Multibanco que tu me deste não está bom.
- Não está bom como? Tem funcionado perfeitamente desde que saíste de Lisboa.
- Pois, mas agora estou aqui em Madrid, tenho fome, quero comer, preciso de apanhar a camioneta para Lisboa, e ele não está bom. O bonequinho diz que ele não está bom.
- Ó meu grande inconsciente, e tu por acaso não gastaste já todo o dinheiro que eu pus na tua conta?
-Não, mãe. Juro por Deus.
- Deixa lá Deus descansado.
Não pode ser essa caixa de multibanco que está fora de serviço?
-Ó mãe, mas eu já fui esta manhã a bué caixas, já tentei bué cenas, mas isto deixou de funcionar, tens que ver o que é.
- Então e não podes pedir dinheiro emprestado a um dos teus colegas para umas bolachas e um bilhete de camioneta e a gente cá faz contas e eu, entretanto, tranquilamente, vejo o que se passa?
- Oh mãe, eles já estão os dois sem dinheiro. Só eu é que ainda tinha.
Conseguem convencer-nos de tudo, os nossos filhos.
Eu, que tinha planeado ficar calmamente em casa a trabalhar com as janelas todas abertas para fazerem uma saudável corrente de ar, lá me atravessei pelo
meio do calor da tarde para ir à minha agência.
Com tanto azar, nem o gerente nem o meu gerente de conta lá estavam.
Àquela hora, estava só mesmo um rapazinho estagiário colocado ali durante o Verão. Mas adiante, bolas, que o meu filho precisa de comer e de apanhar a camioneta.
O jovem estagiário faz-me um grande sorriso e eu lá lhe expliquei a situação misteriosa do cartão que de repente deixou de funcionar em Espanha.
O jovem pede-me o nome do miúdo e o número da conta dele, e depois começa a fazer clics com o rato. Às tantas, depois de inspeccionar atentamente uma página
de dados, faz um sorriso daqueles mesmo muito malandros.
Minha senhora, diz ele, o seu filho não está em Madrid. Está em Portimão.
O quê? Mas ele telefonou-me de Madrid ainda há cerca de meia hora!
E como é que a senhora sabe que foi mesmo de Madrid que ele telefonou?
Então, pois se fui o que ele me disse...
E o estagiário,como se fosse ele que tivesse lições para me dar a mim:
Mas a senhora não pode ser assim tão crédula com filhos adolescentes de dezasseis anos. Olhe bem para isto.
Vira o monitor na minha direcção e aponta para o final de umadas colunas com a ponta da lapiseira.
Está a ver estas quatro entradas? São todas de hoje de manhã, e, de facto, a última foi há cerca de uma hora. Quatro multibancos diferentes de onde ele tentou levantar dinheiro, todos em Portimão. Ontem, olhe aqui. Jantou neste restaurante chamado Superpeixe e pagou uma conta que parece claramente de duas pessoas. Isto confirma-se se formos à compra imediatamente anterior, às 19 do mesmo dia, um biquíni brasileiro da loja Poucaroupa. Aliás, bastaria olharmos para as dormidas:
duas noites na pensão Oásis, quarto duplo, cama de casal. Ah, e repare no bilhete de camioneta que ele comprou na sexta-feira: está aqui claramente indicado
que é de ida e volta. E oiça, minha senhora, não se passa nada de errado com o multibanco dele. O rapaz apenas já gastou todo o dinheiro que a senhora lá pôs para ele. Mas tem um bilhete para voltar hoje ao fim da tarde. Se lhe veio com essa conversa,
provavelmente é porque ainda quer comprar mais uma prenda de luxo para a namorada antes de se vir embora.
Qual namorada? .
Então, minha senhora? Cama de casal numa pensão, biquinis brasileiros,jantarinhos para dois... é evidente que o seu menino foi visitar uma namorada a Portimão e
lhe contou uma história sobre ir com dois amigosa Madrid!
Bom. Claro que o meu rapaz ouviu ali pela medida grande. Mas a mim, francamente,o que me incomoda não são estas patetices de manual que os rapazes fazem. O que realmente me incomoda é pensar que, hoje em dia, até um estagiário de um banco, com pouquíssima informação à partida, pode em dez minutos saber precisamente onde estamos, onde estivemos, o que é que fizemos,tirar ilações e fazer juizos de valor.
É o lado escuro do admirável mundo novo electrónico, em que todos tendemos a não pensar, mas com o qual todos perdemos completamente a privacidade.
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
Há aqui qualquer coisa de estranho nesta relação;
E no banco só chegaram a estas conclusões, porque houve uma pessoa que deveria ter tirado certas conclusões por ela e que precisou de ajuda. ;)
vou-te contar um segredo, mas tu não vais contar a ninguem.
adivinha quem vai ser o meu próximo pinto do dia.
Gi: Mas quem escreve não tem que ter imaginação?...Ou extrapolou o real...ou...é daaaaaaaaaaaa......
pduarte: Hum...quem será..???...
ó ´conseleur´ não foi esta Clarinha que foi despedida da Visão por ter plagiado um ou dois textos do David Remnick, hummmm?! Já sei a quem sai o malandreco do puto de 16 anos a mentir descaradamente.
nunca mais consegui ler nada desta fulana, perdeu toda a credibilidade naquilo que diz (e que neste caso é uma constatação de uma realidade já instalada há uns tempos cá em Portugal, nada de especial)
o que está aqui em causa não é este conhecimento electrónico de dados ou a perda da privacidade ou lá o que seja. A partilha global da informação, não pode ser boa para umas coisas, para o que nos interessa, e depois ser criticada para outras.
O Carlos cruz por exemplo anda desesperadamente a arranjar recibos daqui e dali para tentar provar que não esteve ali e acolá, e assim livrar-se da acusação de pedófilo. A menina clarinha foi enganada pelo filho e só se preocupa com a perda da privacidade do menino
A mim não me preocupa absolutamente nada que os meus dados sejam conhecidos, não tenho nada a esconder, só não quero é quesejam usados indevidamente, e mesmo que seja apanhado em falta (não há pessoas perfeitas e eu não fujo à regra) serei homem para assumir as minhas responsabilidades
Já a clarinha está a criar um homem que de responsável tem muito pouco, e se aos 16 anos tem de esconder à mãe que vai passar um fim-de-semana a Portimão com uma namorada, então definitivamente ela como mãe, para além do resto, também se está a revelar um prefeito fracasso
Mas também já é recorrente na nossa sociedade, os valores estarem transmutados e/ou desvalorizados
:(
:|
:)
beijocas
Pois...a rapariga deu nisso...mas como agora se trata da privacidade do chavaleco...acredito que não se trate de plágio...
Bjcs e bom final de semana
Bem...eu só teria agradecido o facto de desmascarar o puto. Se o meu me fizesse uma dessas, perdia a minha confiança por completo.
Diazia o jotapê que ele sai à mãe, mas ele não é filho biológico...claro que é preciso definir-lhe regras, por isso mesmo.
Bjs e bom fds.
Enviar um comentário